Por Vitor Hugo Soares
Da mesma maneira que o primeiro sutiã para uma adolescente –
como apontou há anos o publicitário baiano Nizan Guanais, em peça
publicitária premiada - a primeira vaia para um artista no palco, para
um político no palanque ou para um governante, em pleno exercício do
poder, é experiência indelével. A presidente Dilma Rousseff que o diga.
Não
dá para, simplesmente, passar uma esponja em tudo, nem fazer de conta
que nada aconteceu. A presidente da República viveu sua primeira vaia no
poder, esta semana, durante um encontro com prefeitos, organizado com
pompa e circunstância pela Confederação Nacional dos Municípios (CNM) e
pela Frente Nacional dos Prefeitos para marcar a chamada Marcha a
Brasília, em sua décima quinta edição.
Nas palavras e nas imagens
foi algo marcante e bastante raro, em atos de poder no Brasil. Algo para
não esquecer tão cedo ou, quem sabe, jamais. Tanto para a presidente
Dilma e seus assessores, como para os responsáveis pelos apupos.
Principalmente, os que prepararam terreno para que a vaia acontecesse e a
estimularam.
Apelemos à memória para contextualizar o fato, como
recomendava o mestre premiado do jornalismo, Juarez Bahia, quando editor
nacional do Jornal do Brasil, ou em seus livros referenciais de teoria e
prática da Comunicação.
Em ambiente ornamentado e preparado, de
acordo com os melhores e mais testados princípios do marketing político e
administrativo, a presidente da República discursava para finalizar o
ato, com natural expectativa de apoteose.
Diante de mais de três
mil prefeitos presentes ao ato, Dilma anunciava mais um pacote de
bondades em ano de eleições municipais: máquinas retro-escavadeiras para
as prefeituras, construção de creches para acolher filhos de
trabalhadores, ajuda na seca nordestina e nas cheias do norte. Tudo
parecia correr às mil maravilhas e, de repente, as coisas começaram a
desandar.
Mal comparando, parecia repetição daquela antiga
história brasileira das promessas de colares e apitos para os índios. O
caso virou até impagável marchinha carnavalesca, sucesso indispensável
em toda folia momesca que se preza país afora.
No meio dos
milhares de chefes e chefetes políticos municipais no fim de mandato -
boa parte deles desenganados, ameaçados de perder a prefeitura e as
benesses que o cargo possibilita.
Vários decidiram mostrar fastio
diante do que a presidente Dilma prometia já quase no final de seu
discurso. E apostar no jogo de pressão por “mais alguma grana viva da
viúva”, sempre desejada, ainda mais na despedida para muitos, em ano de
campanha eleitoral nos mais de cinco mil municípios do país.
Alguém,
no fundo do imenso salão, puxou o coro: “Queremos royalties” (da
exploração do petróleo). Logo, outro grito: “royalties”. E mais outro e
outros: “Royalties, royalties, queremos royalties”.
No caso, para
municípios que não produzem uma gota de óleo. Então, chegamos ao ponto
crucial da história e das consequências do enredo da Marcha de Brasília
esta semana.
Há vozes que, à boca pequena, nos corredores do poder
no Palácio do Planalto e Esplanada dos Ministérios, se dizem
convencidas de que teria sido melhor e menos desgastante para os dois
lados, se a presidente tivesse agido como os antigos pessedistas.
Feito “ouvido de mercador” em frente aos apupos, divididos com aplausos do auditório.
“Deixado a bola passar”, sem maiores escaramuças.
Mas,
em sua sempre imprevisível mistura mineira, gaúcha e búlgara, de
sentimentos e reações, Dilma Rousseff tem seu jeito próprio de dizer e
fazer as coisas. Optou pelo exemplo do artista baiano e universal, João
Gilberto, sempre disposto a uma boa polêmica, principalmente quando
tentam invadir sua seara de músico virtuose ou pisam em seus calos.
João
criou um caso sem tamanho, que até hoje ainda repercute, na inauguração
da casa paulistana de espetáculos Credicard Hall. Com tudo preparado e
previsto para ser uma apoteose. A certa altura, porém, João, que se
apresentava com Caetano Veloso, reclamou do ar condicionado e da
qualidade do som da super casa de espetáculo que se inaugurava.
A
platéia respondeu com vaias ao artista. Caetano tentou contemporizar
para evitar o pior na festa, mas João Gilberto foi direto ao ponto:
mostrou a língua para os que o apupavam e atacou no ponto fraco: “Uh,
uh, uh! Vaia de bêbado não vale”. E o caso até hoje rola, sem fim!
A
presidente Dilma, diante do pouco caso dos prefeitos ao pacote de
bondades que ela anunciava, e das suas vaias pedindo grana viva em forma
de royalties, não contou conversa, como dizem os baianos.
“Então,
eu vou dizer uma coisa para vocês: não acreditem que vocês conseguirão
resolver a distribuição de hoje para trás. Lutem pela distribuição de
hoje para frente”, atirou a presidente, como se dissesse: “Vaia de
prefeito em fim de mandato não vale”.
O resto é o que se sabe e o que se verá nas eleições municipais que se aproximam. A conferir.
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