Por Guilherme Sardas
Em 2010, uma medida liminar da Justiça do Paraná proibiu o repórter
e apresentador da Band, Fábio Pannunzio, de fazer qualquer referência a
uma quadrilha de estelionatários, com atuação internacional, que vinha
denunciando em seu blog pessoal. Meses depois, com o grupo desbaratado
pela mídia formal, e devidamente preso, a liminar seria revogada pelo TJ
do estado e arquivada por unanimidade.
Durante o período de restrição, Pannunzio uniu-se à jornalista
Adriana Vandoni, do blog “Prosa e Política”, que estava – e continua –
impedida de comentar ou emitir opinião de juízo sobre as inúmeras ações
de improbidade administrativa envolvendo o presidente da Assembleia do
MT, José Riva. “Como nós dois estávamos censurados, passei a veicular as
denúncias do Riva, e ela, as denúncias da quadrilha. Isso chama permuta
de censura”, explica Pannunzio.
Segundo
Adriana, as decisões judiciais que vêm legitimando sua mordaça, como a
negativa de um agravo de instrumento no TJ de MT, teriam forte
influência da atuação de Riva nos bastidores da Justiça local. “A
Justiça do MT é absolutamente comprometida com ele. Para você ter ideia,
a alegação de um dos desembargadores que me negou o agravo é que eu
estava ferindo o direito de privacidade do político ao falar dos
processos que ele responde.”
A situação é apenas um exemplo do quadro de crescente
judicialização da censura a que a blogosfera brasileira vem sendo
submetida e que levou figuras como o ministro Carlos Ayres Britto,
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a manifestar recentemente
sua preocupação com o assunto, recorrendo ao pensador francês Alexis de
Tocqueville, para defender que “os excessos da liberdade se corrigem com
mais liberdade”.
Os fatos e os números mostram a facilidade de se remover conteúdos
da internet brasileira. Segundo o Committee to Protect Journalists
(CPJ), no primeiro semestre de 2011, o Brasil foi o campeão mundial de
remoção de conteúdo, com 224 ordens da Justiça remetidas ao Google. Para
Thiago Tavares, diretor-presidente da ONG SaferNet Brasil, a situação
exige a criação de um observatório para as decisões judiciais da
blogosfera. “Em alguns segmentos do Judiciário, me parece que há certa
interpretação exacerbada da legislação em que se invertem um pouco o
direito à informação e o ferimento da honra e imagem da pessoa. Em ano
de eleição, a remoção de conteúdo cresce exponencialmente”, explica.
A experiência de Pannunzio é emblemática para a maior
vulnerabilidade do blogueiro no país. “Em 31 anos de profissão na TV,
fui processado uma única vez. Já no blog, foram seis processos. A figura
do blogueiro é muito mais frágil do que a empresa de comunicação.”
Chapa-branca ou oposição?
Não são apenas os abusos jurídicos que têm aquecido a discussão. No
final de maio, a cidade de Salvador recebeu o “3º Encontro dos
Blogueiros Progressistas”, grupo de jornalistas e não jornalistas, que
vêm reivindicando a liberdade de atuação na blogosfera como alternativa à
atuação da grande mídia.
O evento contou com a gravação de um vídeo do ex-presidente Lula,
que exaltou a atuação dos blogs como alternativa ao setor de
comunicações do país, segundo ele, “concentrado em poucas empresas,
poucas famílias e poucos lugares”. Entre os articuladores do evento,
Franklin Martins, antigo ministro-chefe da Secretaria de Comunicação
Social do governo Lula e um dos principais defensores do marco
regulatório da mídia no país. O grupo tem o apoio dos jornalistas Paulo
Henrique Amorim, Rodrigo Vianna, Luiz Carlos Azenha, Altamiro Borges,
entre outros.
Para Borges, que preside o Centro de Estudos de Mídia Alternativa
Barão de Itararé, democratizar a rede é um dos principais desafios da
blogosfera. “Há, sim, a judicialização da censura, processos que
desgastam e levam o profissional à bancarrota, mas há também a
dificuldade da democratização da comunicação no Brasil, porque hoje há
uma monopolização da mídia brasileira, comandada por sete famílias. É
uma aberração democrática”, diz.
Pannunzio rechaça a tese de que os blogs são alternativas
essenciais a um suposto “monopólio da grande imprensa”. E ainda critica:
“A maioria dos blogueiros que defendem essa tese é da imprensa formal.
Começa por aí a contradição deles. Além disso, são parte de um grande
projeto de comunicação de pessoas que integravam o governo Lula. Como é
que um jornalista de qualquer mídia abre mão de fiscalizar para começar a
bajular o poder, a defender a impunidade de gente envolvida com a
corrupção, como vem acontecendo?”.
Para Ricardo Noblat, blogueiro político de O Globo, a cisão
ideológica dos blogs não é problema – “Sempre vai existir quem é mais
próximo do governo e quem é oposição”. A discussão mais delicada,
segundo ele, é outra. “O que eu acho complicado é o titular de um blog
receber por anúncio veiculado ali. É óbvio que a participação no
faturamento publicitário vai implicar conflito de interesse”, afirma. Em
meio à asfixia jurídica e às arestas ainda não aparadas da blogosfera
brasileira, que a liberdade seja, de fato, a única solução para seus
próprios excessos.
Fonte : Blog do Pannunzio
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