Decisão foi tomada após Câmara Municipal de Meriti pagar curso em balneário para 20 dos 21 vereadores
O Globo
RIO — O presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio de
Janeiro (TCE-RJ), conselheiro Jonas Lopes, determinou nesta
segunda-feira auditoria para examinar a legitimidade e a legalidade das
despesas feitas pelas 91 câmaras dos vereadores do estado com passagens
aéreas, hospedagem e traslados para a participação dos políticos e
servidores em cursos de capacitação em cidades turísticas do país. A
investigação foi determinada depois que 20 dos 21 vereadores de São João
de Meriti viajaram no último dia 30 para um curso de quatro dias em um
hotel na paradisíaca Praia de Cabo Branco, em João Pessoa, na Paraíba,
organizado pelo Instituto Capacitar ao custo de R$ 107.300. Além dos
vereadores, participaram do evento dois suplentes e sete acompanhantes. A
viagem, noticiada pelo jornal “O Dia”, revoltou os servidores de São
João de Meriti, onde graves problemas financeiros provocaram, há duas
semanas, a demissão de três mil funcionários.
Nesta segunda-feira, uma comissão da Coordenadoria Municipal
de Auditoria Governamental do TCE-RJ esteve na sede da Câmara Municipal
de Meriti para analisar documentos sobre viagens realizadas pela Casa
nos últimos cinco anos. Segundo o coordenador da comissão, Bruno Fonseca
Villas Boas, que está participando da investigação, no primeiro
levantamento realizado, os vereadores gastaram R$ 750 mil desde 2010 só
em cursos de capacitação em hotéis de luxo fora do estado. As
investigações sobre os gastos começaram sem a presença dos políticos já
que, segundo informações da portaria da Câmara, eles ainda estariam
participando do curso. O movimento na Casa foi tão pequeno que parecia
feriado municipal.
INVESTIGAÇÃO SERÁ RETROATIVA A 2010
A apuração dos gastos municipais com cursos de capacitação
para vereadores, tanto na Câmara de São João de Meriti quanto nas demais
do estado, será retroativa a 2010.
— A equipe de técnicos já está iniciando o trabalho em São
João de Meriti. Como já existem precedentes com relação a este tipo de
problema, eu determinei auditorias especiais para apurar todos os
contratos dos últimos cinco anos em Meriti. Depois, vamos realizar
inspeções em todas as outras 90 câmaras fluminenses — afirmou Jonas
Lopes, referindo-se à condenação, em 2009, do então presidente da Câmara
de Vereadores de Mesquita, André Taffarel Inácio dos Santos, que foi
obrigado a pagar uma multa de 5 mil Ufir-RJ (correspondente à época a R$
11.376) e a devolver 670 mil Ufir-RJ (equivalente a R$ 1,5 milhão) aos
cofres públicos. A imputação do débito foi decidida pelo Tribunal de
Contas, após a constatação de irregularidades nas despesas com um curso
para os vereadores daquele município.
Segundo Jonas Lopes, em todas as inspeções especiais que
serão feitas nos 91 municípios, os auditores do TCE-RJ verificarão, além
da legitimidade e da legalidade das despesas, a pertinência dos cursos
de capacitação para o exercício do mandato dos vereadores.
— Chama atenção o fato de que já ocorreu em outras câmaras,
sempre ou quase sempre com o mesmo instituto, sempre em balneários
turísticos e sempre nos fins de semana. Outra coisa que nos causa
espécie é a quantidade de vereadores no curso. Queremos saber,
inclusive, o conteúdo do curso para ver se é compatível e em que vai
contribuir para o exercício do mandato parlamentar — comentou o
presidente do TCE.
Para Jonas Lopes, a auditoria especial em todos os municípios servirá de exemplo para os gestores públicos:
— Com esta ação, esperamos que os gestores pensem duas vezes
antes de realizar esses gastos. Não basta que seja legal e legítimo.
Tem que trazer benefícios para a sociedade, que paga o imposto. No caso
de São João de Meriti, queremos saber que benefício foi este, em que
contribuiu para a atividade parlamentar e, nesta atividade, qual o
benefício que trará para a sociedade. A população está em pânico com a
situação caótica das finanças públicas municipais.
APENAS UM VEREADOR NÃO QUIS PARTICIPAR
Nesta segunda-feira, o único vereador que estava trabalhando
na Câmara de São João de Meriti era Alfredo Queiroz (PT). Ele contou
que foi informado em setembro pelo presidente da Câmara, vereador Joel
Rodrigues Sobrinho, sobre a realização do curso, mas preferiu não
participar.
— Acho que não é o momento para a realização de um gasto
desses, em razão da situação financeira pela qual a cidade passa,
inclusive com salários dos servidores atrasados — afirmou o parlamentar,
que já tomou parte de um curso de capacitação no ano passado.
O curso foi realizado pelo Instituto Capacitar, cuja sede,
em Belo Horizonte, fica no mesmo endereço (Rua dos Bem-te-vis, 284) do
Instituto Nacional Municipalista, que foi investigado em 2010 por
promover falsos eventos com vereadores do Rio Grande do Sul. O contrato
com a Câmara de Vereadores de São João de Meriti foi feito por meio da
Resolução 1.359, de 23 de setembro de 2014, publicada no Diário Oficial
do município em 25 de setembro. Esta resolução criou a “Comissão de
representação para participar do Curso de Capacitação para Vereadores,
Prefeitos, Vice-prefeitos, Secretários Municipais, Assessores e
Servidores.” O hotel contratado, segundo a publicação, foi o Ambassador
Flat, em João Pessoa. A resolução foi assinada pelo presidente da
Câmara, Joel Rodrigues Sobrinho, e os vereadores Angela Theodoro da
Costa e Carlos Roberto Rodrigues.
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