A
comunicação de "más notícias" está sempre relacionada com situações
que "modificam radical e negativamente a idéia que o doente faz do
seu futuro". Associa-se normalmente a uma situação
de perda, definida " [...] como a retirada ou a ausência de um objeto
ou sujeito importantes na vida de um indivíduo".
Os
principais protagonistas das "más notícias" são os prestadores de
cuidados, que para além de planejarem e gerirem estes momentos, têm
também de gerir os seus próprios medos e estarem preparados para
aceitar as naturais hostilidades do doente e da família.
Assim,
a comunicação deste tipo de notícia é uma tarefa difícil para todos
os profissionais de saúde; ninguém gosta de ser portador de más
notícias, pois "[...] transmitir uma má noticia é sempre uma tarefa
difícil, que exige muita diplomacia". Estes momentos
causam perturbação, quer à pessoa que a recebe, quer à pessoa que a
transmite, gerando nos profissionais e sobreviventes, medos,
ansiedade, sentimentos de inutilidade, desconforto e desorientação.
Estes
medos associam-se principalmente: "ao medo de ser culpado ou de lhe
atribuírem responsabilidades"; "medo de expressar uma reacção
emocional"; "medo de não saber todas as respostas colocadas pelo
doente e familiares e/ou outras pessoas significativas"; "medos
pessoais acerca da doença e da morte", "medo das reações do doente e
família".
Estes
aspectos conduzem muitas vezes a mecanismos de fuga nos
profissionais, e "[...] devido ao medo de serem agredidos
verbalmente, comunicam frequentemente de uma forma menos cuidada e
menos simpática".
Por outro lado, os profissionais encaram, por vezes, estas notícias,
como um sinônimo de fracasso, numa sociedade em que se tem
verificado uma grande evolução tecnológica e científica nas ciências
da saúde, associada a um aumento da esperança de vida o que incute
uma idéia de imortalidade. Esta mesma evolução conduz os
profissionais a valorizarem cada vez mais o tecnicismo, as
intervenções relacionadas com o tratamento perdendo de vista a
dimensão psicossocial do doente, isto é, "[...]
Neste
contexto, a comunicação é afetada, pois os processos de comunicação
esvaziam-se de conteúdo, desencadeando mecanismos de fuga, utilização
de eufemismos, para não se correr riscos de falta de transparência
e omissão. Tudo isto pode trazer efeitos no processo de luto do doente
e família, confirmando que uma comunicação eficaz reduz as
incertezas, os medos e constitui uma ajuda fundamental na aceitação
da doença e participação ativa em todo o processo de tratar/cuidar.
Assim,
é necessário que os profissionais de saúde apreendam as suas
dificuldades e representações, pois conforme referido os mecanismos
de fuga estão relacionados muitas vezes com os seus próprios medos e
receios face às situações consideradas difíceis. Surge então a
designada "sensação de espelho", isto é, a imagem de si próprios na
mesma situação, preferindo afastar o problema para não o viver e
deste modo, "[...] tornamo-nos incapacitados e vulneráveis às nossas
próprias emoções", não conseguindo dar o apoio necessário.
Podemos considerar a representação como um processo de atividade da
construção mental da realidade. Neste sentido, as representações
influenciam o nosso modo de agir e reagir face às situações. Assim
sendo, e neste âmbito, interferem no modo como damos e recebemos uma má
notícia, tendo com tal, muita importância na maneira como as pessoas
percepcionam a doença, o seu tratamento e aceitam a situação.
Não
há dúvida que a informação é fundamental para ajudar as pessoas a
enfrentar e lidar com situações patológicas associadas a uma ameaça
severa. Atualmente, no nosso País a necessidade de informação ao
doente e família é reconhecida como um direito destes e um dever dos
profissionais de saúde na sua pratica, e que está consagrado na Lei
de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto) e no Código
Deontológico do Enfermeiro, artigo 84º. Os doentes têm direito ao
consentimento livre e esclarecido, fundamental antes de qualquer
intervenção para assegurar a capacidade e a autonomia de decidirem
sobre si próprios.
Contudo,
parece-nos poder afirmar que a questão principal dos profissionais
de saúde, não é informar os doentes, mas saber como, quando e quanto
se deve revelar determinada dessa informação, principalmente se esta
é uma "má notícia", como o caso do diagnóstico de uma doença
grave.
O
ato de informar não é simples, constituindo-se num dilema ético
para os profissionais de saúde. Este deve assentar em quatro
princípios fundamentais da bioética: princípio da beneficência,
princípio da autonomia, princípio da justiça e o princípio da não
maleficência, aplicados de acordo com a especificidade de cada situação,
os valores implícitos em cada um deles e o respeito pela dignidade
da pessoa humana e pela sua autonomia.
Hoje em dia as pessoas ainda evitam falar da morte e encará-la como a
última fase da vida, isto é, "escondemos a morte como se ela fosse
vergonha e suja. Vemos nela apenas horror, absurdo, sofrimento inútil
e penoso[...]",não lhe conferindo deste modo, o verdadeiro sentido e valor.
O
mesmo acontece com os profissionais de saúde que encaram a morte do
doente como um fracasso, tanto mais que foram formados e educados na
expectativa de vencer a doença e portanto a morte. Sentem-na " [...] como um fracasso, uma inconveniência, uma mácula vergonhosa que importa esconder [...]", o que por vezes os leva a descurar a dimensão humana e continuar a investir na tecnologia.
Maria Aurora Gonçalves Pereira
Enfermeira. Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Viana do Castelo, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Mestre em Ciências de Enfermagem. Doutoranda na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal