terça-feira, 23 de abril de 2013

Má notícia em saúde representações dos profissionais de saúde e outros cidadãos.


A comunicação de "más notícias" está sempre relacionada com situações que "modificam radical e negativamente a idéia que o doente faz do seu futuro". Associa-se normalmente a uma situação de perda, definida " [...] como a retirada ou a ausência de um objeto ou sujeito importantes na vida de um indivíduo".
Os principais protagonistas das "más notícias" são os prestadores de cuidados, que para além de planejarem e gerirem estes momentos, têm também de gerir os seus próprios medos e estarem preparados para aceitar as naturais hostilidades do doente e da família.
Assim, a comunicação deste tipo de notícia é uma tarefa difícil para todos os profissionais de saúde; ninguém gosta de ser portador de más notícias, pois "[...] transmitir uma má noticia é sempre uma tarefa difícil, que exige muita diplomacia". Estes momentos causam perturbação, quer à pessoa que a recebe, quer à pessoa que a transmite, gerando nos profissionais e sobreviventes, medos, ansiedade, sentimentos de inutilidade, desconforto e desorientação.
Estes medos associam-se principalmente: "ao medo de ser culpado ou de lhe atribuírem responsabilidades"; "medo de expressar uma reacção emocional"; "medo de não saber todas as respostas colocadas pelo doente e familiares e/ou outras pessoas significativas"; "medos pessoais acerca da doença e da morte", "medo das reações do doente e família".
Estes aspectos conduzem muitas vezes a mecanismos de fuga nos profissionais, e "[...] devido ao medo de serem agredidos verbalmente, comunicam frequentemente de uma forma menos cuidada e menos simpática".
Por outro lado, os profissionais encaram, por vezes, estas notícias, como um sinônimo de fracasso, numa sociedade em que se tem verificado uma grande evolução tecnológica e científica nas ciências da saúde, associada a um aumento da esperança de vida o que incute uma idéia de imortalidade. Esta mesma evolução conduz os profissionais a valorizarem cada vez mais o tecnicismo, as intervenções relacionadas com o tratamento perdendo de vista a dimensão psicossocial do doente, isto é, "[...] 
Neste contexto, a comunicação é afetada, pois os processos de comunicação esvaziam-se de conteúdo, desencadeando mecanismos de fuga, utilização de eufemismos, para não se correr riscos de falta de transparência e omissão. Tudo isto pode trazer efeitos no processo de luto do doente e família, confirmando que uma comunicação eficaz reduz as incertezas, os medos e constitui uma ajuda fundamental na aceitação da doença e participação ativa em todo o processo de tratar/cuidar.
Assim, é necessário que os profissionais de saúde apreendam as suas dificuldades e representações, pois conforme referido os mecanismos de fuga estão relacionados muitas vezes com os seus próprios medos e receios face às situações consideradas difíceis. Surge então a designada "sensação de espelho", isto é, a imagem de si próprios na mesma situação, preferindo afastar o problema para não o viver e deste modo, "[...] tornamo-nos incapacitados e vulneráveis às nossas próprias emoções",  não conseguindo dar o apoio necessário.
Podemos considerar a representação como um processo de atividade da construção mental da realidade. Neste sentido, as representações influenciam o nosso modo de agir e reagir face às situações. Assim sendo, e neste âmbito, interferem no modo como damos e recebemos uma má notícia, tendo com tal, muita importância na maneira como as pessoas percepcionam a doença, o seu tratamento e aceitam a situação.
Não há dúvida que a informação é fundamental para ajudar as pessoas a enfrentar e lidar com situações patológicas associadas a uma ameaça severa. Atualmente, no nosso País a necessidade de informação ao doente e família é reconhecida como um direito destes e um dever dos profissionais de saúde na sua pratica, e que está consagrado na Lei de Bases da Saúde (Lei nº 48/90, de 24 de Agosto) e no Código Deontológico do Enfermeiro, artigo 84º. Os doentes têm direito ao consentimento livre e esclarecido, fundamental antes de qualquer intervenção para assegurar a capacidade e a autonomia de decidirem sobre si próprios.
Contudo, parece-nos poder afirmar que a questão principal dos profissionais de saúde, não é informar os doentes, mas saber como, quando e quanto se deve revelar determinada dessa informação, principalmente se esta é uma "má notícia", como o caso do diagnóstico de uma doença grave.
O ato de informar não é simples, constituindo-se num dilema ético para os profissionais de saúde. Este deve assentar em quatro princípios fundamentais da bioética: princípio da beneficência, princípio da autonomia, princípio da justiça e o princípio da não maleficência, aplicados de acordo com a especificidade de cada situação, os valores implícitos em cada um deles e o respeito pela dignidade da pessoa humana e pela sua autonomia.
Hoje em dia as pessoas ainda evitam falar da morte e encará-la como a última fase da vida, isto é, "escondemos a morte como se ela fosse vergonha e suja. Vemos nela apenas horror, absurdo, sofrimento inútil e penoso[...]",não lhe conferindo deste modo, o verdadeiro sentido e valor.
O mesmo acontece com os profissionais de saúde que encaram a morte do doente como um fracasso, tanto mais que foram formados e educados na expectativa de vencer a doença e portanto a morte. Sentem-na " [...] como um fracasso, uma inconveniência, uma mácula vergonhosa que importa esconder [...]",  o que por vezes os leva a descurar a dimensão humana e continuar a investir na tecnologia.



Maria Aurora Gonçalves Pereira
Enfermeira. Professora Adjunta na Escola Superior de Enfermagem de Viana do Castelo, do Instituto Politécnico de Viana do Castelo. Enfermeira Especialista em Enfermagem Médico-Cirúrgica. Mestre em Ciências de Enfermagem. Doutoranda na Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação da Universidade do Porto, Portugal